Vamos falar de Ngana Kimanaueze Kia Tumb'a Ndala, estimado por todos e pai de Nzuá di Kimanaueze.
A história começa pela ordem dada ao filho:
– Na Zuá, vai para Luana tratar da tua vida.
Ele respondeu:
– Agora mesmo, quando acabo de me casar?
– Ordeno-te que partas imediatamente!
O filho partiu, chegou a Luanda e tratou dos seus negócios. Entretanto, o Ma-Kishi saqueou a casa de seu pai. Quando regressou de Luanda, Na Zuá encontrou a casa vazia. Cheio de fome, não sabia como solucionar o problema. Resolveu ir para o campo e aí avistou uma mulher e chamou-a. Ela reconheceu-o e perguntou:
– De onde vens?
Sem responder, Na Zuá indagou:
– Que te aconteceu?
– Os Ma-Kishi arruinaram-nos.
Voltaram os dois a viver juntos, e quando o filho estava para nascer, a mulher ouviu no seu ventre uma voz que dizia:
– Mãe, eis a minha espada, a minha faca, a minha árvore da vida e o meu cajado. Fica tranquila que eu vou sair.
E saindo disse:
– Chamo-me Sudika-Mbambi. No chão apoio meu cajado e no firmamento[,] o antílope.
Novamente a mãe escutou a voz de outro filho.
– Mãe, eis a minha espada, a minha faca, o meu kilembe e o meu cajado. Fica tranquila, eu estou a chegar,
E, saindo, disse:
– Chamo-me Kabundungulu, da árvore de Takula. O meu cão alimenta-se de castanhas de cola e o meu kimbundu engole um boi.
O primogênito ainda acrescentou:
– Plantei o meu kilembe atrás da casa.
E perguntou:
– Mãe, o que te trouxe aqui?
A mãe, estranhando profundamente tudo isto, exclamou:
– Admira-se que um recém-nascido fale assim.
– Não te surpreendas, vais ver. Cortaremos as varas e construiremos casas para os nossos pais.
Agarraram nas espadas e entraram na mata. Sudika-Mbambi cortou uma estaca e assim ambos fizeram o transporte.
Finalmente chegaram e depositaram o fardo no chão. Cortaram a relva e começaram a construção.
Sudika-Mbambi levantou a viga e pouco tempo depois a casa ficou concluída. Atou uma corda, e depois todas as outras, ficando bem presas. Rapidamente a casa cobriu-se de colmo. Sudika-Mbambi finalmente disse:
– Entrem, pai e mãe, a casa está pronta!
E voltando-se para o irmão:
– Olha, mais novo, vou lutar contra os Ma-Kishi e tu, Kabundungulu, faz companhia aos nossos pais. Se, porém, vires o meu kilembe a murchar é porque morri no sítio para onde agora vou.
Sudika-Mbambi partiu e alcançou a estrada. Logo que ouviu um ruído, perguntou:
– Quem é?
Responderam-lhe:
– Sou eu, Kipalende, o que construiu uma casa na rocha.
Sudika-Mbambi disse:
– Anda comigo.
Puseram-se a caminho e novamente escutaram o mesmo ruído e a mesma pergunta. Como resposta obtiveram:
– Sou eu, Kipalende, que recolho folhas de milho em Kalunga.
– Anda conosco.
E foram pela estrada fora.
Pela quarta vez (Sic), alguém disse:
– Sou eu, Kipalende, que posso estender a barba até Kalunga.
Também o chamaram e todos continuaram a caminhar. Mais adiante, uma quinta pessoa apareceu na outra margem do rio:
– Sou eu, Kijandala-Midi, que uma centena lavo a boca.
Sudika-Mbambi replicou:
[–] E eu, Sudika-Mbambi, ponho na terra o meu bastão e no firmamento[,] o antílope.
Ao ouvir estas palavras, Kijandala-Midi fugiu.
Chegaram ao meio da tarde, Sudika-Mbambi convocou os quatro Kipalendes:
– Preparemo-nos e construamos uma casa para combater o Ma-Kishi.
Foram em busca de estacas. O chefe cortou uma e as outras cortaram-se por si próprias. Ele transportou uma e o mesmo fizeram as demais sem ajuda de ninguém. Começaram a construção.
Sudika-Mbambi apanhou uma viga e entregou-a ao Kipelende que erguera uma casa na rocha. Ele recebeu-a e pôs-se a construir na rocha, mas sem firmeza. Parou. Recomeçou o trabalho e não continuou. E o chefe interrogou-o:
– Não disseste que construirias na rocha? Por que desististe?
O chefe é quem executa a obra, finalmente.
Quando acabaram foram deitar-se.
Ao amanhecer, Sudika-Mbambi propôs:
– Vamos combater os Ma-Kishi.
Deixou, porém, um Kipalende, o que era capaz de erguer dez clavas, e levou consigo os outros três. Encontrando os Ma-Kishi[,] fizeram fogo.
Ao mesmo tempo, em casa, onde ficara um Kipalende, apareceu uma mulher com uma neta. A velha, ao encarar com o Kipalende disse:
–Vamos combater e se ganhares casarás com a minha neta.
Na luta, o Kipalende foi derrotado. A mulher apanhou uma pedra, deixou-a em cima do corpo do Kipalende e foi-se embora.
Sudika-Mbambi soube que o Kipalende estava derrubado com uma pedra em cima e preveniu os outros.
Eles não quiseram acreditar. Não podia ser verdade.
– Se estamos tão longe, como é que consegues saber disso?
Ele confirmou o que disse. Então, cessaram o fogo e resolveram regressar.
Em casa encontraram o Kipalende debaixo da pedra, pelo que Sudika-Mbambi inisstiu:
– Não tinha razão?
– Realmente!
Retiraram a pedra e perguntaram:
– Como foi isto?
A vítima contou o que se tinha passado. E os companheiros disseram a rir:
– Deixaste que uma velha te ganhasse!
Pouco depois foram deitar-se.
No dia seguinte, o chefe chamou os Kailundas para o combate, mas informou que o Kipalende devia ficar. Enquanto lutavam apareceu outra vez em casa a mulher e a neta e a proposta era a mesma. O Kipalende concordou e começaram a lutar. Outra vez abatido, ficou deitado com uma pedra em cima.
Sudika-Mbambi seguiu o combate, mas logo preveniu os companheiros do que se passara.
Vão para casa, salvam-no e perguntam-lhe o motivo de tudo aquilo. ELe contou a mesma história. Deitaram-se e na manhã seguinte tudo se passou como na véspera. E assim foi no outro dia, pela quarta vez, a mesma coisa.
Depois disso, não havendo mais nenhum Kipalende para substituto, Sudika-Mbambi disse:
– Desde ontem só resta ao Ma-Kishi uma única aldeia. Portanto a situação já permite que vocês quatro Kipalendes avancem com armas e só eu fique.
Enquanto estavam a discutir, a tal mulher chegou a casa onde se encontrava Sudika-Mbambi e disse:
– Vamos lutar e se me venceres casarás com a minha neta.
Desta vez ela foi derrotada e morta por Sudika-Mbambi, que ficou com a rapariga. Esta explicou:
– Hoje é que começo a viver, pois minha avó costumava encerrar-me numa casa de pedra para que eu não pudesse sair. Agora poderemos casar!
Ele concordou.
Chegaram os Kipelendes satisfeitos com a vitória no conflito entre eles e os Ma-Kishi. Sudika-Mbambi também se regozijou pelo sucesso final e assim continuou a vida para todos.
Entretanto, os quatro Kipalendes tramaram uma conspiração:
– Sudika-Mbambi, apesar de tão novo, conseguiu ultrapassar-nos, portanto vamos matá-lo.
Cavaram um buraco no chão e estenderam por cima uma esteira. Depois chamaram-no:
– Senta aqui!
Ele sentou-se e caiu no buraco. Deixaram-no inteiramente coberto de areia e partiram à procura da rapariga. Porém, quando chegaram a casa encontraram o irmão da vítima – o Kabundungulu. Esse saiu e foi ao quintal e, ao olhar para a árvore do seu irmão mais velho, verificou que ela estava a murchar. Raciocinou: "Onde o meu irmão estiver vai morrer". Regou a árvore e ela reverdeceu.
Quando Sudika-Mbambi foi lançado para dentro do abismo descobriu aí uma saída e pôs-se a caminho.
Encontrou uma mulher que trabalhava com uma enxada, mas movimentando-a somente com o tronco, pois a tarde inferior ficava à sombra.
Sudika-Mbambi cumprimentou-a amavelmente e recebeu igual saudação. Pediu-lhe para lhe indicar a caminho.
– Meu filho, pega na enxada e ajuda-me. Se o fizeres satisfarei o teu pedido.
Fez a vontade à mulher e ela, como agradecimento, indicou-lhe o caminho.
– Segue a estrada mais estreita e não tomes a larga porque podes perder-te. Ao aproximares-te de Kalunga-ngombe não te esqueças de levar um jarro de pimenta vermelha e outro de sabedoria.
O jovem agradeceu e, seguindo as instruções que lhe foram dadas, chegou a Kalunga-ngombe.
Apareceu aí um cão que se lhe atirou às pernas, mas bastou um sinal para o cão deixar de ladrar. Entrou em casa quando o sol estava já a desaparecer.
Depois das saudações, declarou:
– Venho casar com a filha de Kalunga-ngombe.
Este respondeu:
– Casarás com a minha filha mas só se me apresentares um jarro de pimenta vermelha e outro de sabedoria.
À tarde, quando preparavam a comida para Sudika-Mbambi, ele descobriu que lhe haviam destinado um galo e um caldo de farinha. Retirou o galo e escondeu-o debaixo da cama.
Durante a noite ouviu alguém dizer:
– Quem matou o galo de Kalunga-ngombe?
O galo gritou debaixo da cama.
– Kokolokué!
Mal amanheceu o dia, Sudika-Mbambi foi ter com Kalunga-ngombe:
– Dá-me agora a tua filha.
– Foi raptada por Kinioka kia Tumba. Vai e salva-a!
Partiu e chegando às terras de Kinioka perguntou:
– Pra onde foi Kinioka?
A mulher deste informou:
– Foi fazer fogo.
Enquanto Sudika-Mbambi esperava, avistou as formigas. Mal as viu, pisou-as. Depois apareceram formigas vermelhas, que tiveram a mesma sorte, assim como abelhas e vespas.
Veio um chefe de Kinioka, que Sudika degolou, fazendo o mesmo a outros dois. Cortou a palmeira, a bananeira e a cabeça do cão de Kinioka. Morto este, Sudika-Mbambi entrou em casa dele. Encontrou a filha de Kalunga-ngombe e disse-lhe:
– Vamos! O teu pai mandou-me buscar-te.
Voltando a Kalunga-ngombe anunciou:
– Eis a tua filha!
Em resposta, recebeu uma intimação:
– Vê se podes matar Kimbiji kia Kalenda a Ngandu, que costuma apoderar-se dos meus porcos e cabras.
Sudika-Mbambi pediu:
– Arranja-me um leitão novo.
Logo que lho deram, colocou-o num anzol e atirou-o à água. Kimbiji veio ao encontro da isca e engoliu o porco. Sudika-Mbambi começou a puxar, mas escorregou e caiu dentro da água, sendo também engolindo pelo Kimbiji kia Kalenda a Ngandu.
O Kabundungulu, o irmão mais novo, que estava em casa, foi ao quintal ver o Kilembe. Notando-o seco exclamou:
– O meu irmão está morto! Procurarei seguir seu caminho.
Tomando a estrada, alcançou a casa do irmão.
Encontrou aí os Kipalendes e perguntou-lhes:
– Que é feito do meu irmão?
– Não sabemos.
– Por que o matastes?
Descobriu a cova. Feito isto, Kabundungulu entrou e continuou na mesma estrada em que passara seu irmão.
Encontrou-se também com a mulher que trabalhava com a enxada com a parte superior do corpo, deixando a outra à sombra. Pediu-lhe:
– Ensina-me o caminho que meu irmão trilhou.
Ela ensinou-lhe.
Foi ter com Kalunga-ngombe:
– Onde está meu irmão?
– Foi engolido por Kimbiji.
– Então dá-me um porco.
Pegou nele, pô-lo num anzol e lançou-o à água.
Kimbiji engoliu o anzol e Kabundungulu chamou várias pessoas para o ajudarem a pescar Kimbiji. Depois de muito trabalho sempre o conseguiram.
Em terra Kabundungulu com uma faca abriu o Kimbiji. Encontrando os ossos de seu irmão, reuniu-os e disse:
– Levanta-te!
Sudika-Mabambi pôs-se em movimento e ouviu o seu irmão:
– Vamos embora. Na Kalunga-ngombe vai dar-te a filha.
Ambos regressaram ao lugar onde fora enterrado Sudika-Mbambi. A terra estalou. Subiram e apareceram os quatro Kipalendes, a quem expulsaram da casa.
Ficaram a viver independentes.
Um dia, o irmão mais novo disse ao mais velho:
– Tens duas mulheres, dá-me uma.
– Não, não poderás desposar uma mulher minha.
Enquanto Sudika-Mbambi foi caçar, o outro penetrou em casa e procurou aproximar-se das mulheres.
Aconteceu que Sudika interrompeu a caça e chegou logo a seguir em casa. Foi logo avisado por uma das suas mulheres:
– O teu irmão está aqui, pretendendo seduzir-nos.
Sudika-Mbambi ficou muito zangado e discutiu com o irmão. Discutiu, lutaram e acabaram por se querer matar um ao outro. Nenhum conseguiu fazê-lo, pois guerrearam-se com espadas que não cortavam.
O esforço fatigou-os até que Sudika-Mbambi firmando o cajado em terra e o antílope no firmamento foi para Leste. E o Kabundungulu, cujo cão comia palmeira e o seu kimbunlu devorava touros, dirigiu-se para Oeste.
Os irmãos separaram-se por causa de mulheres. Daí se diz que em tempestades quando troveja é o mais velho que foi para o Leste e o eco do trovão, que se atribui ao mais novo, para o Oeste.
FONTE: Contos Populares de Angola - Folclore Quimbundo - Viale Moutinho (Org.) - Landy Editora
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